PRIVATIZAÇÃO DA SABESP

Foram 62 votos a favor e apenas um contrário ao projeto enviado pelo governador de São Paulo; eram necessários 48 votos para a aprovação

Em uma sessão esvaziada após confronto de Policiais Militares com manifestantes, a base aliada do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) aprovou na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp; SBSP3).

Foram 62 votos a favor e apenas um contrário ao projeto enviado pelo governador de São Paulo. Eram necessários 48 votos para a aprovação. A oposição estava ausente da votação e indica que pode questionar judicialmente a realização da votação ainda na noite desta quarta-feira, 6, quando houve tumulto, uso de gás de pimenta e confronto no plenário.

Deputados da oposição disseram que haveria cerceamento da atividade parlamentar se o presidente da Casa, André do Prado (PL-SP), insistisse na continuidade dos debates.

Manifestantes contra a privatização forçaram um vidro que separa o plenário da plateia e tentaram invadir o local. Para contê-los, agentes da PM usaram gás de pimenta. A substância se espalhou por todo o plenário e fez deputados esvaziarem o local às pressas.

Imagens de policiais militares agredindo manifestantes com cassetetes passaram a circular nas redes sociais e foram divulgadas pela oposição. O debate chegou a ser interrompido por cerca de 40 minutos. Deputados da oposição disseram não haver condições de retomar a votação nesta quarta-feira e afirmaram que haveria cerceamento da atividade parlamentar se o presidente da Casa, André do Prado (PL-SP), insistisse na continuidade dos debates.

Prado, no entanto, retomou a sessão após as 20h. A base de Tarcísio acusou a oposição de “orquestrar” a situação para protelar a votação. Deputados da base aliada fizeram seus pronunciamentos no microfone com a voz trêmula, em razão do gás presente, e relataram a dificuldade em permanecer no local. “Isso foi preparado, foi orquestrado”, disse o deputado Barros Munhoz (PL).

“PT, PCdoB, PV, PSOL, PV, PSB tomamos a decisão de que é impossível voltar para o plenário nas condições que nós temos lá dentro”, disse o deputado Paulo Fiorilo (PT). “Temos deputados e deputadas que não podem participar nessa situação”, disse o petista, que mencionou o caso de uma deputada grávida e deputados de idosos. “É um erro e um equívoco continuar esse processo hoje”, afirmou. Eles pediam que o presidente da casa adiasse a votação para a terça-feira, 12.

A oposição deve se reunir nesta quinta-feira, 7, para deliberar o que pode ser feito. Apesar das acusações de que houve cerceamento da atividade parlamentar, integrantes do PT ouvidos pela reportagem dizem acreditar não haverá um caminho para questionar a realização da votação, que deu vitória folgada a Tarcísio.

Privatização

Com a aprovação da privatização, o Estado de São Paulo pretende reduzir sua participação na companhia (hoje correspondente a 50,3%) para algo em torno de 15% a 30%. O modelo será o de follow on, oferta de ações subsequentes. Seu valor de mercado hoje é de cerca de R$ 46 bilhões.

A aprovação da Alesp é uma licença para o governo do Estado seguir com os planos, mas ainda não há indicação por parte do Palácio dos Bandeirantes de quanto pretende arrecadar com a venda, pois o governo não indicou qual deve ser sua participação. A promessa do governo paulista é fazer isso até janeiro.

A Sabesp é uma empresa de economia mista, responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgoto de 375 municípios paulistas. A empresa atende 28,4 milhões de pessoas com abastecimento de água e 25,2 milhões com coleta de esgotos.

A votação foi uma vitória política do governador Tarcísio de Freitas, que fez a promessa de privatizar a companhia durante a campanha eleitoral do ano passado. Ele promete transformar a Sabesp em uma multinacional de saneamento.

O principal argumento do governo e da base aliada a favor da privatização é a antecipação da universalização do saneamento, prevista no Marco Legal do Saneamento Básico, de 2033 para 2029. O governo também promete incluir áreas rurais e urbanas hoje não contempladas, incluindo 1 milhão de pessoas na área de cobertura da Sabesp.

A empresa previa investimentos de R$ 56 bilhões para atingir as metas de universalização até 2033. Com a privatização, o governo diz que irá garantir R$ 10 bilhões extras para antecipar e ampliar os serviços e para destinar recursos a um fundo usado para redução da tarifa cobrada do consumidor.

O projeto de lei aprovado prevê que 30% do valor obtido com a privatização seja destinado ao Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (chamado Fausp), vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística. A intenção é garantir tarifas baixas com o fundo, mas o governo é criticado por não indicar por quanto tempo esse fundo deve segurar o aumento na conta de água.

Na proposta enviada à Assembleia, o governo do Estado estabelece que pode vetar algumas decisões relativas à companhia, mesmo depois da privatização. Isso inclui decisões sobre mudança de nome, da sede, da atividade econômica ou o limite máximo de votos que um acionista pode ter na empresa.

A oposição a Tarcísio promete brigar na justiça para impedir que a privatização vá adiante. A oposição já recorreu, sem sucesso, ao judiciário na tentativa de barrar a tramitação do projeto de lei. Um dos argumentos levantados por deputados do PT é o de que a privatização não poderia ocorrer por projeto de lei ordinária e depende de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) estadual.

O que acontece agora

Após a aprovação, o documento vai à sanção do governador e será publicado no Diário Oficial do Estado. Em paralelo, o Governo de SP conversa com todos os municípios para a renovação do contrato de concessão até 2060, garantindo a inclusão dos mais pobres e os investimentos necessários para a universalização.

Estão sendo definidas, também, as novas regras para revisões tarifárias, em um modelo moderno que consegue combinar tarifa mais barata com o incentivo a novos investimentos.

Todas essas definições devem acontecer antes do início da oferta pública das ações na Bolsa de Valores, no primeiro semestre de 2024. A previsão é que todo o processo seja concluído até julho de 2024.

Entenda o projeto de desestatização da Sabesp

O que significa a universalização do saneamento?

Segundo o Novo Marco do Saneamento, a universalização significa 99% da população abastecida com água tratada e 90% com coleta e tratamento de esgoto. O Novo Marco pede, também, que sejam incluídas as populações das áreas rurais e irregulares consolidadas, como favelas, que hoje estão fora dos serviços. Há muita gente que não está contemplada nos indicadores oficiais do saneamento básico. Nos municípios atendidos pela Sabesp, por exemplo, estamos falando de um milhão de pessoas.

A Sabesp já universalizou o saneamento básico?

Do total dos domicílios atendidos pela Sabesp, 98% possuem água tratada, e 83% têm seu esgoto coletado e tratado. Mas esses números ainda não consideram as áreas rurais e as irregulares consolidadas, como, por exemplo, favelas e comunidades mais carentes, onde hoje vivem cerca de um milhão de pessoas. O desafio é incluí-las no saneamento básico em menos de dez anos, como estabelece inclusive o Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Em São Paulo, faremos isso em até seis anos graças à desestatização da Sabesp. E isso é importante porque, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, cada real investido em saneamento básico gera R$ 5,5 em benefícios à sociedade, como economia nos gastos com saúde e melhor produtividade do trabalho.

Por que desestatizar a Sabesp?

O Novo Marco Legal do Saneamento estabeleceu metas ambiciosas de universalização do saneamento básico: levar 99% de água tratada e coletar e tratar o esgoto de 90% da população até 2033. E tanto as populações rurais quanto as que vivem em áreas urbanas e mais pobres deveriam ser incluídas no serviço. Em São Paulo, isso significa incluir mais de um milhão de pessoas que moram em áreas rurais ou mais pobres e ainda não têm acesso aos serviços de saneamento básico. Para atingir essa meta, a Sabesp precisa investir o dobro do que investe normalmente. Com a desestatização, a Sabesp consegue ampliar e antecipar os investimentos para universalizar o saneamento, e ainda reduzir a conta de água. Ou seja, a privatização da Sabesp vai levar saneamento para todos, mais rápido, melhor e mais barato.

Como será possível universalizar e antecipar as metas de saneamento?

A Sabesp já havia previsto investimentos de R$ 56 bilhões para universalizar o saneamento até 2033 no território coberto atualmente. No entanto, para incluir as áreas rurais e as de baixa renda, além de avançar na despoluição dos rios e na resiliência da rede, esses valores devem subir para R$ 66 bilhões. Este valor inclui a antecipação da universalização até 2029. Estamos falando de R$ 10 bilhões a mais do que a Sabesp investiria, e quatro anos a menos do previsto. Isso significa que, com a desestatização, os investimentos vão aumentar, o saneamento vai chegar antes para quem precisa e a conta d’água ainda vai reduzir.

Como o governo vai reduzir a tarifa?

O governo vai criar o Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (FAUSP) e destinar 30% do valor de venda das ações, além do lucro do Estado na empresa (dividendos), para reduzir a conta d’água, com foco na população de baixa renda. Estamos falando de algo inovador no mercado de saneamento: um fundo com recursos do próprio Estado, seja por meio da venda de parte das ações do Governo na Sabesp, seja por meio do seu lucro na empresa, para reduzir a conta d’água, sobretudo para os que mais precisam. O recurso do Estado vai ser usado para investir nas pessoas, como deve ser.

Quem vai comprar a Sabesp?

Qualquer pessoa que tenha uma conta em uma corretora pode comprar ações da empresa. Ou seja, as ações da Sabesp que hoje são do Governo de SP não serão vendidas todas para um único investidor ou grupo de investidores, mas serão negociadas com todos os interessados. Isso acontecerá por meio de uma oferta pública, chamada de follow on.

Qualquer cidadão poderá comprar ações da empresa, inclusive funcionários e clientes da Sabesp. Para isso, basta acessar o sistema da corretora e fazer a reserva de ações. Há várias que abrem conta gratuitamente, de maneira online. Além disso, haverá um esforço para que parte das ações vendidas seja adquirida por investidores que queiram permanecer na empresa no longo prazo e possam contribuir com conhecimento e experiência para o crescimento da Sabesp.

A Sabesp vai mudar de nome?

Não, a Sabesp continua em São Paulo, não muda de nome e não deixa de atuar no setor de saneamento básico. O projeto de lei enviado à Assembleia Legislativa do Estado dá poder de decisão ao Governo de SP para que nenhuma dessas situações aconteça.

O que são as URAEs? Elas foram criadas para privatizar a Sabesp?

As URAEs são blocos regionais de municípios que utilizam as mesmas fontes de água e sistemas de saneamento e podem fazer um planejamento mais integrado, com foco na universalização. Essa regionalização é prevista no Novo Marco do Saneamento. No Estado de São Paulo, foi estabelecida a criação das URAEs, que são as Unidades Regionais de Serviços de Água Potável e de Esgotamento Sanitário. Para se ter uma ideia, grande parte da água consumida na Região Metropolitana de São Paulo é produzida pelo Sistema Cantareira, que engloba vários municípios, o que demanda uma gestão regionalizada.